Wednesday, March 31, 2010
Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?, de António Lobo Antunes
...Ou uma viagem às memorias de uma família. Ou uma viagem às memórias dos elementos de uma família. Ou uma viagem as memórias de cada um nós, no dia em que o nosso mundo se desfaz, uma viagem as profundezas da memória individual, não só de cada um, como de cada família, realizada através dos desabafos e das recordações de uma família de proprietários do Ribatejo.
É uma família atormentada pelas lembranças dos seus elementos, aquela que António Lobo Antunes nos traz nesta obra. Um pai morto e uma mãe a morrer, a empregada/ama bastarda e os filhos desavindos e desviados, quais alegorias dos males modernos que fervilham dentro de nós e nos fecham ao mundo dos outros. Somos levados por Lobo Antunes aos seus pensamentos enquanto esperam pela morte da mãe (Não que a mãe não partilhe também as suas angústias do leito da morte) todos deambulando pelo solar dos Marques, percorrendo os seus locais e as suas janelas que engrossam, locais onde as suas memórias se ligam com o presente e nos desfilam as suas virtudes defeituosas e os seus traumas.
Em tempos sombrios, nos quais se vive sob o signo da (o)pressão e a palavra liberdade serve de máscara para limitação, a obra de Lobo Antunes não é um farol, mas não é mais uma pesada âncora para nos deprimir. Fazendo uso da sua experiência médica, somos conduzidos a uma consulta, o relato é isso mesmo, um relato, não um texto de reflexão, mas donde se pode retirar muita matéria para tal. Assume-se o texto como um elaborado apelo a que lidemos com os nosso fantasmas, um encorajamento a que deixemos para trás o peso morto de memórias dolorosas, que encaremos os defeitos de frente em vez de os ignorarmos e escondermos em nome de uma qualquer aparência deturpada e de um status obscuro.
A escrita é a do estilo elaborado e muito próprio do autor, revelando-se de alguma dificuldade para quem espera uma narração toda ela linear e monotonia. A necessidade constante de passar para o papel uma linha de raciocínio, com todas as que se cruzam nele, qual neurónio com as suas ramificações, faz com que a escrita se enriqueça, com frases de vinte paginas, como o individuo que sozinho no quarto, reflecte sobre si. O complexar dos raciocínios não aumenta no entanto a complexidade da escrita e após alguma habituação o leitor entrara facilmente no ritmo de leitura, apesar de eu recomendar que os primeiros capítulos seja lidos de uma assentada.
Tuesday, March 9, 2010
Contos, Miguel Torga
Nasceu a 12 de Agosto de 1907, em São Martinho da Anta, Trás-os-Montes.
Faleceu em 17 de Janeiro de 1995.
De seu verdadeiro nome, Adolfo Correia da Rocha, Miguel Torga é o pseudónimo literário pelo qual ficou conhecido.
Formado em Medicina pela Universidade de Coimbra, colaborou na revista Presença, e dirigiu as revistas Sinal e Manifesto.
Em 1976 foi distinguido com o Grande Prémio Internacional de Poesia das Bienais Internacionais de Knokke-Heist, em 1980 com o Prémio Morgado de Mateus, em 1981 com o Prémio Montaigne (Alemanha), em 1989 com o Prémio Camões e em 1992 com os prémios Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores e Figura do Ano da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira. in Contos, Miguel Torga, 1ª edição, D. Quixote
O simples desfraldar da sua vida não nos diz quem era Miguel Torga.
O simples listar dos prémios que ganhou, não traduz a simplicidade da sua escrita.
Apenas a simplicidade da sua escrita nos permite alcançar a complexidade do seu ser.
Miguel Torga é um nome maior da literatura portuguesa. Não tem grandes romances, mas tem muitos contos. Contos que não saturam, passados num Portugal esquecido, num Portugal tão longínquo e no entanto tão próximo e ali ao virar da esquina, mesmo quinze anos após o falecimento do autor.
Os contos de Torga poderiam ser os contos da infância de um Portugal atrasado, mas que contam, como as aventuras de uma criança, o que é o Portugal adulto.
A escrita dos Contos de Miguel Torga é feita numa linguagem rústica e dura e simples, como os seus personagens, postos à prova pela dureza da vivência diária. É uma escrita que nos relata os imaginários de todo um povo obscurantista desde sempre e demasiado ocupado a conseguir ter pão na mesa ao jantar para se preocupar com o dia de amanhã.
Os Contos de Miguel Torga são o Portugal e a sua memória colectiva. Neles encontramos a essência do ser Português e tudo envolto nessa simplicidade complexa a que chamamos Portugal.
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