Monday, April 28, 2014

Wolfhound Century - Peter Higgins

O proverbial burro alimentado a pão de ló. Chegado ao final deste livro, tendo parado um pouco para resumir e repensar o que li, é assim que me sinto. De tão habituado que estou a quantidades copiosas de palha, quando me dão um cheirinho de algo sobejamente mais docinho, sinto que nada me chega.

Penso que a origem desse sentimento é uma questão de expectativas. Anunciado como algo de extraordiário, criou expectativas que no imediato não satisfaz. Quero mais. Não necessariamente melhor, mas mais. A questão que se coloca é, onde está então a grandiosidade?

A minha primeira resposta, com um distanciamento mais frio, é na pequenez. Pode um livro ser grande e pequeno? Pode. Em tempos de adjectivação com força e forçada, de minuciosas descrições exaustivas, Wolfhound Century consegue ser bastante sóbrio na utilização dessas ferramentas. Esse é o principal aspecto da grandiosidade, a clareza e a concisão, tão em falta nestes dias.

No que diz respeito à escrita não há muito a apontar. Curta, seca, tremendamente eficaz a criar uma atmosfera cinzenta, capítulos curtos mas, feitas as contas, com o essencial. Competente será um termo que encaixa muito bem.

Quanto ao estilo, é mais um daqueles livros que passeiam por estilos sem se amarrarem a nada. A conversa de anjos e obscuros objectos centenários remete para uma dimensão de fantástico a que o detective Lom e a sua busca pelo subversivo Joseph Kantor dão um toque policial. Só que as coisas não ficam por aí. Quando se descobre uma conspiração maior, somos arrastados por sequências dignas de bons contos de suspense e nem uns laivos de romance ecologista são deixados de fora de um livro que com o seu imaginário propositadamente soviético podia não destoaria em prateleiras ao lado de um Tom Clancy. Mais um livro que remete a discussão sobre géneros literários aos bons livros e aos maus.

Tudo é servido com a consciência que este livro é apenas o primeiro de uma trilogia e portanto uma introdução. É aqui que está a frustração. De tão habituado a um festim de letras e papel, Wolfhound Century é poupadinho quanto baste, para mesmo assim pedir uma pausa e reflexão antes de se embarcar no segundo volume.

Thursday, April 24, 2014

Dia do Livro (Atrasado)


Ontem, dia 23 de Abril, foi o dia do Livro e do Direito de Cópia. Não é que tenha deixado passar a efeméride, mas andei-me a debater sobre o rumo que lhe devia dar. A inspiração em que me baseei foi um artigo num blog da página do Guardian, intitulado Five perfect books for men who never read. Segundo este artigo, que se refere, penso, ao universo britânico, cerca de um terço dos homens não leu um livro depois de sair do sistema de ensino. Assim sendo, o autor propõe uma lista de cinco livros para que estes homens recuperem hábitos de leitura.

O desafio a que me propus foi o de executar uma lista semelhante em português. Os critérios que usei para me balizar foram o de já ter lido o livro, de ser de um autor português (o meu conhecimento de outros lusófonos é muito limitado), não ser de poesia, não repetir autores e ser de leitura fácil, sem com isso querer dizer simplória. Ao contrário do autor do blog, deixei de fora exercícios estilísticos como o Finnegan's Wake, o que quer dizer que Lobo Antunes não figura aqui.

Segue abaixo a lista com um pequeno texto explicativo.

-Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente
Para quem anda afastado da leitura, nada como voltar aos bancos da escola, só que agora sem "ter" de ler e antes por "querer" ler. Esta é das obras obrigatórias a (re)ler. Sendo uma peça de teatro está escrito essencialmente em discurso directo, o que simplifica a leitura. Apesar dos quatro séculos dificilmente perdeu o seu tom humorístico.
-O Primo Basílio, de Eça de Queiroz
Sem o estigma d' Os Maias e sem a conotação de crítica d' O Crime do Padre Amaro, é uma obra cujo realismo das relações de Luisa e Basílio chega a roçar o, para a época, erótico. A escrita não tem o peso de nenhuma de outras obras mais conhecidas do autor, e a leitura é fluída q.b.

-Os Bichos, de Miguel Torga
Dificilmente a escrita fica mais rude, mais simples e mais cheia do que nos contos de Torga. Não há português que não perceba, seja doutor ou pedreiro, nem que não reconheça as dores dos bichos. A estrutura de contos ajuda também.
-Crónica dos Bons Malandros, por Mário Zambujal
Quem não gosta de boa malandragem? Tem pequenos criminosos, grandes sonhos e um amor eterno. Tudo servido em doses generosas de linguagem de rua, sem cair no uso do descontrolado do calão e sem resvalar para a pieguice. 

-O Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa
Um exercício de prosa curioso. Poderá não saltar imediatamente à vista a contradição do título, mas se lhe chamássemos O Banqueiro Comunista, então despertaria interesse. É um livro pesado que pesa pouco. O foco não será tanto na contradição do título, que o visado de resto se esforça por mostrar que não existe, mas em tempo de crises e soluções imediatas, vale mais do que muitos tratados sobre o que é o que parece ser.