Wednesday, September 8, 2010

O Mandarim - Eça de Queiroz


Reconhecido pela forma como nos deixou alguns dos mais fiéis retratos da sociedade do final do século XIX, Eça de Queiroz faz neste "O Mandarim" uma incursão por um mundo mais distante. Esse distanciamento leva a que ressalte muito mais a natureza das personagens do que a forma como elas se ligam e enquadram nas paisagens da narrativa queirosiana.

Teodoro é um funcionário público desiludido com a vida que leva e a quem um estranho oferece um negócio inóquo: se fizer soar uma sineta, um mandarim morrerá na China e ele herdará toda a sua fortuna. Levado por um misto de curiosidade e ganância, Teodoro acaba por fazer ressoar o sininho e no espaço de um mês a sua vida altera-se: onde antes residia um aborrecido funcionário notarial, reside agora um janota moinante, figura reconhecida dos salões e atormentado pelo remorso de ter conseguido mudar de vida à custa da de um semelhante.

O tormento do assassínio de um estranho começa a ganhar força em Teodoro e cresce ao ponto de se tornar uma assombração diária. Vergado em espírito pela constância da aparição do mandarim e as reflexões sobre o impacto da sua morte na restante família, Teodoro acaba por viajar até à China com vista a procurar apaziguar o espírito do mandarim restituindo parte da riqueza à família deste.

Todo o conto se encontra escrito num estilo de certo modo atípico para Eça, narrado na primeira pessoa, com grande ênfase a ser colocado em reflexões sobre a natureza humana e evitando as pormenorizadas descrições que, em certa medida, o caracterizam. A própria Lisboa, personagem de alguns romances, mais não recebe do que laivos de figurante, relegada para segundo plano, por oposição a uma Pequim longíqua e (provavelmente) imaginada. Nessa Pequim distante reencontramos no entanto o Eça das refeições sumptuosas, o Eça dos passeios pelas cidades, o Eça dos retratos sociais, o Eça dos salões e das paixões proíbidas.

A viagem de Teodoro será, provavelmente, a mais universal viagem de Eça pela ganância humana, tão imortal quanto o Homem, num registo capaz de agradar ao mais acérrimo detractor do realismo e sem desiludir os amantes da precisão da pena de Eça.

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