Wednesday, June 24, 2015

Livro - José Luis Peixoto

Livro

Não consigo concordar com todos os grandes elogios a esta obra que li e são muitos. Não consigo concordar porque o que vi foi uma obra que podia ter sido grande e se perdeu em si mesma. Começa mal, acaba mal, mas o meio é bom. Na realidade, o meio é tão bom que toda a obra vive dele.

Tentando explicar os sentimentos contraditórios que me assolam, Quando digo «começa», não me refiro a toda a primeira secção do livro, mas sim ao arranque da narrativa propriamente dito, as primeiras vinte ou trinta páginas. Sim, a narrativa vai evoluindo em regressão (quem tiver nomes técnicos, a caixa de comentários está ali em baixo) de uma forma muito bem estruturada, mas com demasiado detalhe. Quero com isto dizer que temos grandes saltos temporais entre capítulos com o autor então a regredir na narrativa e a contar-nos como chegámos a aquele momento. No entanto há uma praga que infesta as páginas nesta fase, e essa praga são as frases sem sentido. Já li muito chouriço, mas há momentos nesta obra que fazem com que todo o chouriço da Roda do Tempo pareça bem empregue. Tendo uma visão muito utilitária, e quiçá injusta, da literatura, há passagens sem qualquer função no texto. Não contribuem para fazer evoluir a narrativa, não ajudam a caracterizar nenhuma personagem, nem ajudam a ambientar o leitor. Simplesmente estão lá. Istoé de tal forma evidente no primeiro quinto do livro, ao ponto de a leitura do primeiro «ano» dar a sensação de estarmos perante um autor de aforismas para partilhar no facebook e não a sensação de estarmos perante um artista da palavra.

De seguida, quando a fase da, chamemos-lhe inutilidade narrativa, termina, começa a fase em que se aprecia a escrita. Escorreita, fluída, magnética, quase que a antítese do que deixa para trás. Não que haja um momento em que se decida ser assim, simplesmente evolui. Este é o momento ao qual se retorna sempre que se pensa(r) nesta obra, é onde se vê o que o autor pode ser, o que consegue fazer. Os trechos que nos levam desde as apresentações na aldeia, até ao nascimento do narrador em Paris são uma história de amores desencontrados entre Portugal e os subúrbios de Paris nas décadas de 60/70, uma narrativa de encontros e desencontros, de saudades da terra, de jargão tão provinciano que aquela conversa poderia estar a ocorrer num café do interior, se os cafés do interior não estivessem abandonados. Só que sabe a pouco... O autor perde metade do livro a caracterizar personagens e depois mata a narrativa dessas personagens em meia dúzia de linhas. Sabe a pouco... Queremos saber mais. Depois do trabalho que há a caracterizar as personagens, depois de frases inúteis, depois de desventuras estéreis, depois de um suave encostar ao fantástico, queremos e desejamos que aqueles encontros e desencontros dêem mais voltas, queremos mais frases que tocam directamente nos sentidos, de tal forma que sentimos o ar da manhã numa quinta em Espanha ou o peso nas costas vergadas num abrigo em Champigny, queremos mas acabam-se por aí as frases magnéticas.

Acabam as frases magnéticas e começa um exercício literário que tenta tornar a obra uma enorme refererência circular. Falha não falhando. De facto confere uma circularidade à obra, mas a escrita perde as suas virtudes. O exercício não passa de um exercício quase que de snobismo. Quebra a leitura, quebra a apreciação que se faz obra por destoar dela. Rouba, qual filho, tempo e espaço ao que foi a narrativa anterior e faz-nos de facto retornar a um tempo em que as frases se limitam a estar lá, não cumprem função nenhuma, não caracterizam personagens, não nos localizam no tempo, apenas nos fazem folhear o livro à espera de ver o seu fim.

Quando releio o que escrevi acima penso como consigo avaliar positivamente o Livro. Páro e sem muito esperar a resposta surge-me à frente: porque quando é bom, Livro é muito bom e quando é mau, há muito piores exercícios de vacuidade literária.

No comments:

Post a Comment