Sunday, January 10, 2010

Cão Velho Entre Flores, por Baptista-Bastos


Baptista-Bastos convida, no seu prefácio à séptima edição desta obra, que data de 1974, o leitor a acompanhá-lo através de uma infância aflita e as ruas onde ela decorre. Ruas essas, de acordo ainda com o autor, que se localizam em Lisboa. Uma Lisboa, nota-se na obra, de bairros como aldeias, onde todos se conhecem, onde todos se amam e odeiam e que estão, entre elas, tão longe como as aldeias de um país, país esse que aqui é Cidade.

É uma cidade adormecida, por alturas da Guerra, lá fora e distante, que chega até nós através de notícias de jornal e relatos na rádio. Uma guerra lá fora, mas que divide famílias cá dentro... Uma dessas famílias é a de Manuel, nome adoptado pelo personagem, nome que roubaram ao seu primo mudo, primo que o orienta pelas ruas do bairro que o viu nascer, onde está a família, os pais que não se amam, os avós separados em afectos, o tio que não pode com o pai nem com o cunhado e a tia desanimada.

Com a Guerra começa a guerra em casa. O tio e a mãe de um lado o pai e o avô do outro, cada qual no seu espectro político. Avô que de resto só lamenta que o genro não seja seu filho... A Guerra acaba por durar toda a narrativa e está sempre presente. Assim como a outra guerra, a da sobrevivência de Manuel, que parece começar quando o avô de Manuel, um cão velho entre flores, morre. Esse avô que mais não era do que um dos "cães velhos dos campos, [que] quando pressentem que estão à morte, procuram as terras onde há flores para morrerem mais à vontade".

Esta morte acaba por ser o início da procura de Manuel pelas suas flores. Indesejado pela família da mãe, que vê nele um estorvo, e por vezes uma memória penosa para o pai, ele vai passeando por Lisboa, qual bola de ping-pong, na companhia ora do seu primo Mudo, ora pela mão da avó, ou ainda de João e do Mágico, habitantes do seu pequeno mundo.

A viagem prometida por Baptista-Bastos é uma viagem narrada essencialmente na primeira pessoa, em tons intimistas e com uma clara tomada de posição, ao estilo do escritor, com ocasionais fugas para a terceira pessoa, mais para o final da obra. Não é uma viagem alegre, é, isso sim, toda ela feita de uma tristeza e de um vazio nas personagens. O que não implica necessariamente que sejam personagens vazias!

Esta questão das personagens é algo que parece ficar algo por explorar, uma vez que, consoante a visão do leitor, se podem comparar ao dilema do copo meio-cheio ou meio-vazio. O autor deixa tanto delas por dizer, por narrar, que a alguns parecerá certamente que não passam de copos vazios, figuras que se movem ao sabor do vento. A outros parecerão estátuas que se erguem no meio de um rio, resistindo a ventos e marés, não se movendo quando todo o mundo em seu redor caminha para algum lado, pelo percurso de menor resistência. Mais ainda, a complicação surge se se cair na tentação de aplicar um carimbo a um personagem. Em dada passagem pode parecer superficial, mais à frente muda para alguém profundo, voltando ao banal alguns capítulos depois. E vice-versa!

Outra característica é a ausência de grandes descrições. Tudo o que é dado é-o em tons impressionistas, sem contornos firmes, uma mancha que nos dá a entender o que é, apenas o essencial, deixando o restante para o leitor imaginar. Retira-se algum peso à obra, mas também a uma certa sensação de profundidade.

Ao nível da escrita verifica-se um notável domínio da pontuação, sem invenções demasiadas, e com a qual regula o ritmo da narrativa, fazendo o leitor acelerar ao ponto de perder fôlego, forçando o leitor a pausas para meditar no que lê, para que melhor se forme a imagem na sua cabeça, para então sim colocar os personagens. Tudo isto feito, repito, com detalhes impressionistas, que são pincelados aqui e ali com um certo exagero de linguagem mais elevada.

A título pessoal (como se todo o resto do comentário não o fosse), não foi um daqueles livros que me encheram as medidas, mas é um livro de leitura bastante agradável. É uma daquelas portas de entrada para um autor que não oferece resistência quando a tentamos abrir, mas também não é uma passadeira vermelha estendida para este escritor.

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