Tuesday, January 5, 2010

Sexus, by Henry Miller



Henry Miller partiu em 1930 da sua Nova Iorque natal para Paris. No entanto, quem era este homem, antes da viagem? A sua obra Sexus é uma pista.

Recuando até aos anos 30, logo após a Grande Depressão, ou à década de 40 do pós-guerra, é normal que esta obra seja e deva ser encarada como chocante. É normal porque o relato de um homem que vive contra a maré, tem de chocar aqueles que sempre seguiram a corrente do rio. Não se deve esquecer que aqueles acontecimentos são autênticas quedas de água no rio da humanidade, pontos onde a corrente não volta atrás, independentemente da fase da lua, representando o que de pior a ganância e a soberba humanas têm para dar. A sociedade daí resultante procurou então seguir um rumo contrário, dotada do mesmo extremismo da anterior, no entanto, e das mesmas fachadas. Fundamentalmente, não importa se o que vinga é o glamour e opulência dos anos 20, a belle époque, ou se a contenção dos anos 30, ou os valores morais dos anos 40, todos eles exageradamente extremistas, invariavelmente condenados a serem fachadas.

Sexus é portanto uma viagem a uma Nova Iorque que vive das fachadas dos seus habitantes. Uma Nova Iorque que se esconde por trás de fachadas de edifícios, no aconchego do lar; um olhar público sobre acontecimentos privados. Isso realmente choca as mentalidades da década de 40, tão seguras da sua superioridade moral, tanto como a vitória na Guerra os podia deixar, tanto que proíbem a publicação desta obra, dita, obscena, que de obscena só tem a demolição de fachadas.

A viagem de Miller, e viagem porque grande parte da acção decorre na rua ou a caminho de outro local, é uma viagem à vida dessa cidade que se orgulha de não dormir, feita pelo olhar de um aspirante a escritor, amargurado e desgostoso. Não é uma viagem onde, pornograficamente, mulheres esculturais caem no colo do macho de serviço, mas onde, pornograficamente, é fácil acabar-se na cama com uma.

Pornograficamente? O pornográfico de Miller reside no escrever sobre esse aspecto determinante sobre as relações humanas: aquilo que fisicamente une duas pessoas de sexo oposto. No fundo, aquilo que desde os primórdios assegura a multiplicação da espécie, mesmo que não seja efectuado com esse fim. A base da união... A base do nosso ser social! O pornográfico de Miller, em Sexus, é o deixar cair a cortina para o que se passa nos quartos desses homens e mulheres que se amam! No fundo, o que choca em Sexus não é o que lemos, mas a realização de que estamos a ler o que gostávamos de poder dizer!

Outras leituras se podem tirar de Miller e que são também elas chocantes, para um sociedade estratificada, organizada e que não aceita mudanças. Implicitamente pode-se concluir que não há fórmulas para a felicidade. Pelo personagem principal, esse Mr Miller, esse Val que nunca é identificado, vemos que a satisfação de cada impulso físico do nosso corpo não nos traz felicidade. Afinal, ele entrega-se aos prazeres da carne em múltiplas situações, com múltiplas intervenientes e mesmo assim acaba na sarjeta à procura de algo, vazio e não realizado. Apesar de ceder às vontades não atinge a felicidade. Nem a sua primeira esposa, tão dotada ao casamento de fachada que a sociedade lhe impunha encontra a felicidade, ou não voltaria para ele em busca dessa realização física que o casamento lhe tirara. Onde está então a fórmula da felicidade e da realização? Não é uma resposta que Miller, pornograficamente demolindo as fachadas dos prédios, pornograficamente expondo os quartos, os corredores, as salas, o conforto dos lares, nos dê. Tudo o que ele nos dá é um olhar próprio das salas que frequentou, os quartos onde dormiu, as mulheres que amou. Tudo o resto fica a cargo de quem nele se reveja. Os erros que achem que cometeu, as virtudes que manifestou...

Quanto a mim foi dos livros mais difíceis de ler que encontrei. Várias vezes voltei atrás para reler dois ou três capítulos, noutras alturas parava simplesmente, e como se meteu uma mudança de casa pelo meio, durante quase um ano não soube do paradeiro da obra. Que demorou três anos a ser lida! De resto, quem partir para este livro com esperança que o título indique o que ele relata, terá uma grande desilusão uma vez que o título não indica mais do que uma ferramenta que o autor usa, não o objecto da sua narração.

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