Diz-se que as primeiras vezes não se esquecem e dificilmente esquecerei o meu primeiro concerto Jazz. Para começar, num país longínquo ter a possibilidade de presenciar um artista conterrâneo, não é uma oportunidade que surja frequentemente. Por outro, todo o cenário em que decorreu o concerto proporcionou um daqueles momentos únicos, que só os espectáculos ao vivo proporcionam, mas sobre isso falaremos mais adiante.
O dia esteve de calor e a prometer trovoada e a tarde acabou com umas bebidas frescas a ver o sol esconder-se, por entre nuvens de trovoada, na esplanada do Muziekgebow em Amsterdão. No anexo, a Bimhuis, uma das salas míticas do Jazz europeu (hein, não percebo e já ponho rótulos!) ia tocar nessa noite a artista portuguesa Sara Serpa. Não se pode dizer que a sala estivesse cheia, mas apresentava-se bem mais de meia. O cenário esse era todo ele impressionante. Construída em vidro e apresentando cortinas, era possível descortinar uma via rápida, uma linha de electrico, as linhas de comboio que saem de Amsterdão Central e ao longe as aeronaves que se aproximam do aeroporto de Schiphol. Qual a importância deste enquadramento? Para começar o álbum que Sara Serpa trazia na bagagem dava pelo nome de Mobile e que melhor enquadramento para um álbum de viagens do que toda uma paisagem que se mexe e evoca movimento?
Apesar de evocar movimento o álbum remete para a literatura de viagens. O mesmo foi sendo comunicado pela cantora à medida que apresentava as músicas. O concerto em sim começou por uma viagem suave e em ritmo moderado, à medida que a noite avançava assim íamos sendo embalados pelo suave ondular de Sara Serpa e o seu quinteto. Se algo se pode dizer da primeira parte do espectáculo é que foi apresentado num registo um pouco calmo, colocando os pés com cuidado e um pouco a medo. Ao intervalo a trovoada que estava lá fora prometia contrastar com o ambiente acolhedor do lado de dentro, mas tudo iria mudar para a segunda parte. Conhecendo melhor a casa e tendo sido já apresentada à multidão, Sara Serpa trouxe energia na voz para puxar pelo quinteto e até os elementos fizeram por querer estar à sua altura. As nuvens, invejosas de lhes ter sido roubado o protagonismo, decidiram acrescentar a todo o cenário em movimento lampejos de raios e relâmpagos. O cenário era agora simplesmente de uma beleza indescritível, com os relâmpagos a iluminarem todo o cenário de apresentação de Mobile, com investidas por trabalhos antigos e até mesmo um poderoso fado.
A distância não me permite detalhar quais as músicas cantadas e tocadas, o que guardarei para todo o sempre é o ressoar da voz de Sara Serpa, que fez inveja aos deuses das trovoadas e abrilhantou o final de tarde.
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