Thursday, May 31, 2012

Frankenstein, de Mary Shelley



É frequente vermos escritores maduros recomendarem aos mais novos que leiam muito que leiam os autores clássicos. Confesso que o género do terror está um pouco longe das minhas preferências e as últimas experiências que tive, ao opinar sobre uma colectânea que incluía uma divisória dedicada ao género, me deixou mais aterrorizado pela pobreza da escrita do que agradado pela riqueza de conteúdos. Foi pois com alguma renitência que peguei na primeira obra de Mary Shelley.

 Devo dizer que, finda a leitura, em boa hora o fiz e melhor ainda percebi porque os escritores com muitas páginas escritas recomendam aos novatos que percam tempo a ler os clássicos. Acontece que por algum motivo chegaram a clássicos e, nisto de livros, dificilmente um livro é de tal forma mau que dá a volta e se torna imortal.

 O livro, que se lê num instantinho, desfaz um certo mito enraízado na cultura popular. O monstro nunca é baptizado. Ou melhor, quando nomeado, é normalmente designado por substantivos que traduzem um certo carácter de figura aberrante. Estando a figura do monstro de tal forma entranhada na nossa mente, é com algum espanto que notamos num certo conflito entre o descrito na obra e o formulado na nossa cabeça. O doutor é um jovem que iniciou faz pouco tempo os seus estudos superiores e que quase sem querer descobre o segredo de criar vida. Também a monstruosidade que ele cria está muito longe de ser aquela espécie de frigorífico verde que muitas vezes lhe associamos.

 É nestes confrontos entre a cultura popular e a obra escrita que se acaba por retirar ainda outra particularidade. Frankenstein é muito mais do que um simples conto e cresce rapidamente à categoria de um certo ensaio filosófico. Há ali uma certa sombra das consequências dos nossos actos, há ali um certo foco no julgamento baseado nas aparências. Sim, a páginas tantas damos connosco a odiar o monstro e noutras o seu criador. É possível gostar do monstro, é possível mesmo sentir alguma simpatia por ele e isso só é possível porque a escrita sendo simples, nunca resvala para o simplista.

 Um pouco mais acima mencionei o uso de vários substantivos para descrever a criatura. É importante que se fale nessa classe de palavras, porque uma das primeiras falhas dos aspirantes a escritores é o recurso a infindáveis listas de adjectivos. Essas listas nesta obra primam pela ausência. Há adjectivos com conta peso e medida, da mesma forma equilibrada que aparecem os trechos descritivos.

 Será um pouco precipitado dizer que a leitura desta obra me converteu ao género. Gostei da obra essencialmente porque serviu para fortalecer o meu ponto de vista que a literatura de género serve para arrumar livros nas estantes, afinal os livros dividem-se em duas categorias: os bem escritos e os mal escritos. Ler os primeiros ajuda a perceber como evitar produzir muitos dos segundos. E nos dias de hoje em que, como diz um conhecido, há mais escritores que leitores, seria bom que todos os aspirantes a produtores de obras, parassem de produzir e se dedicassem a consumir os clássicos.

Wednesday, May 30, 2012

"Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura." - António Lobo Antunes


 Será, em termos de volume, um dos maiores livros do autor e hesito em escrever romance. Hesito no romance pois não estou seguro que seja um romance. Estamos seguramente perante um dos melhores exemplares da escrita poética do autor, perante uma das menos lineares narrativas, uma análise, desta vez não às profundezas da mente, mas às teias que unem uma família a fragmentar-se. Acresce ainda que este "Não entres tão depressa nessa noite escura" é ainda um brilhante exemplar de como o acto de ler pode ser fisicamente desgastante sem que isso implique uma escrita sombria.

 A afirmação de que a escrita de A. Lobo Antunes não é sombria poderia ser por si só motivo de discussão. No extremo poderia levar um conhecedor a pegar nesse livro, a perder-se nos seus primeiros capítulos e a fechar o livro para nunca mais o abrir. Na realidade, este que vos fala releu os três primeiros capítulos três vezes para se embrenhar nesse fim tarde, para descortinar os raios de sol pelas grandes janelas do hospital onde tudo começa, onde se espera que o pai de uma família sem nome vá para a sua operação ao coração e que volte como novo para os Cuidados Inten ivos. Foram três releituras para que se formasse então a inevitável pergunta: que noite é essa de que nos fala o título?

 Essa pergunta atravessa toda a obra. Ela vai mudando à medida que mudam os capítulos, vai tomando nuances consoante o narrador, mas está sempre lá. Ela é a morte de um pai de família com problemas de coração, ela é a vergonha de uma família pejada de dívidas que alimentam uma ilusão de grandeza imposta pelos vizinhos, é a pobreza tão profunda que emana um cheiro nauseabundo e torna os pobres em gente sem direitos, sem inteligência, agradecidos por todas as migalhas que os ricos não precisam e sacodem para fora da mesa, que os bestializa e que envergonham quem se dava com as elites coloniais. Pode ainda essa noite ser a vida de sonhos e personagens imaginárias, escondidas em quartos alugados nas traseiras do barbeiro de uma aldeia que não são mais do que quatro casas, ou será essa noite a vida real que vivemos, nos sufoca e nos leva a sonhar com o que podia ter sido, o que podíamos ter mudado, podem ser todas as noites, pode não ser nenhuma delas.

 A obra é apresentada no tradicional estilo catártico do autor, da personagem no consultório a analisar a sua vida. No entanto há algo que torna esta obra particularmente distinta no cânone do autor. Sem sacrifício da densidade e profundidade da escrita, capazes de cansarem o autor, verifica-se que há um tom luminoso que atravessa toda obra. Ao contrário de outras obras do autor, em que nos sentimos abraçados pelas sombras, nesta há uma aura luminosa que ilumina as cenas de espera pela morte em salas de espera, que iluminam os traficantes na praia, que é o raio de luz pela janela do andar de Alcoitão, a luz das máquinas do casino quando se apostam móveis e jóias de vidro. É uma constante na obra, uma oposição a essa noite escura de que nos fala o título, mas não se pense que transborda de alegria. É uma luminosidade que abraça momentos do mais puro desespero que se apodera de nós nas horas de incerteza, que brilha sobre a angústia que sentimos quando vemos o nosso mundo a cair, esse foco que incide sobre o envergonhado. É a luminosidade que passa por entre as folhas das palmeiras, nessa hora de incerteza sobre o passado, quando nos perguntamos "e se tivesse sido de outra forma?".

 Há ainda um lado social na obra. Como disse anteriormente, desta feita o mergulho à profundezas da mente humana é substituído por um dissecar de relações interpessoais, uma perspectiva sobre como nos integramos no meio social. É um olhar sobre essa sociedade de ilusões, as aparências em que tem de se nascer para que se seja aceite, porque os pobres são burros, emanam o cheiro de pobreza, não podem brincar com quem partilhava fins de tarde com o presidente Kruger.

 Toda a obra é a descoberta dessa família de Cascais, saudosa dos tempos africanos, em que mandava e não negociava com pretos e árabes. Uma menina que luta por respeito junto dos alunos, apesar da menina a caminho do casino sem ter o que jogar, a família que faz por esquecer o bastardo com nome de princípe herdeiro que acolhe no seu meio, emanando o cheiro a pobre, a preocuparem-se com os empregados e particularmente com a Adelaide, presa que está entre o que foi, o que gostavam que tivesse sido e o que é.

 E há a Maria Clara. A Clarinha, a Maria Clara que é o homem da casa, nunca Clara, a mãe. Maria Clara a redatora deste diário, a gota de sanidade num micro-cosmos louco, o pilar de realidade que sustenta a vivência imaginária de uma famíilia que tem o pior dos cegos por mãe. A Maria Clara é o homem da casa que perscruta nessa arca do sótão as origens do pai, a Adelaide com uma criança ao colo, as fotos do professor de aldeia. A Maria Clara que nos conta, com uma inveja na pena, a forma despudorada como o médico despia a irmã com os olhos, a Maria Clara que gostava de ser como Ana, o homem da casa que gostava que a Ana gostasse dela, que lia em revistas a opinião dos psiquiatras sobre a normalidade do amor entre mulheres, a Clarinha que queria ser mais mulher. 

 Há que falar de Clara, mãe de duas crianças, que vive com o marido na casa dos sogros, que não está mais em Cascais, que foi com a irmã a uma cave em Algés, antes desta ir para Itália e desaparecer da vida deles. A Clara que aparece no conto no momento em que se revela essa noite escura. Não é mais Clarinha, não mais a Maria Clara é o homem da casa, Clara, a sombra que nos sussurra como tudo poderia ter sido bom se tivesse sido assim e que no final nos deixa com a dúvida se alguma vez saíremos dessa noite escura.


 Em jeito de conclusão, este Não entres tão depressa nessa noite escura é uma narrativa poética que me ia deixando fisicamente cansado, mentalmente esmagado e no entanto envolto numa radiância. António Lobo Antunes não o escreveu para os fracos de espírito, nem para quem começou agora a perceber que ler é mais do que articular palavras. Esta obra terá de figurar em qualquer discussão sobre a magnum opus do seu autor.

Monday, May 21, 2012

A Vida Sexual de Catherine M - Catherine Millet

 
"O desejo exasperado é um ditador ingénuo que não acredita que possam opor-se-lhe ou sequer contrariá-lo.", Catherine Millet in A Vida Sexual de Catherine M.

Lançado em formato de livro de bolso, numa parceria entre a ASA e a FNAC, "A Vida Sexual de Catherine M", da jornalista francesa Catherine Millet, acabou por ser o mais bem sucedido exemplar dessa colecção. Pode haver vários motivos para tal. No que a mim diz respeito, lembro-me de ter adquirido a terceira edição da obra, poucos meses após esta estar disponível. Li... Corrijo, comecei a lê-lo pela primeira vez nessa altura, ainda com vinte Primaveras incompletas. As expectativas para o livro saíram totalmente goradas, não correspondidas, senti que foi dinheiro mal empregue.

Vários factores estariam na base dessa desilusão. Um livro que tem por título "A Vida Sexual" de alguém e que causa alguma celeuma no seu país de origem, não deve ser um livro que prime por pasar uma visão polida, idealizada e púdica, digna de ser partilhada num almoço ou jantar de família. Ou um jovem adolescente assim o pensa!

O factor de choque nesta obra parece que incide não no vocabulário utilizado, não nos relatos descritivos, mas sim na essência do que eles passam. Não é o que diz, mas sim o que não diz que choca na obra. Choca certamente o despudor com que uma figura pública torna pública a sua intimidade, desde as primeiras experiências adolescentes até uma vida adulta recheada de orgias e experiências menos ortodoxas. Só que tudo faz sentido, tudo é parte de um processo, tudo é crescimento e aprendizagem, uma procura da identidade da autora.

O tom da escrita é o de balanço, introspecção. O tom que se usa quando sentimos que parte de nós chegou ao destino e nos propomos a ver como foi a viagem. Funciona, o livro, como balanço ou como exercício de sofá de psicólogo! Uma expedição arqueológica a episódios do nosso crescimento que nos ajudam a perceber porque somos assim, como chegámos onde chegámos. O livro poderia facilmente ter outro título: "A Descoberta Sexual de Catherine M.".

Nesse processo de descoberta, a autora acaba por colocar em planos distintos a sua sexualidade e os seus relacionamentos emocionais. Há, ao longo do livro, uma clara distinção entre ambos, uma distinção que chega a roçar o sobre-humano, uma distinção e um leque de ocorrências que parecem saídas de um filme pornográfico de baixo orçamento, que levam o leitor a questionar-se se não estará a ler uma versão fantasiada dos factos. E isso choca!

Esse é, parece-me, o principal factor de choque no livro. O facto de ser possível colocar em planos distintos a vida sexual e a vida emocional, apesar de se tocarem, vai contra o nosso desenvolvimento e choca. O facto de haver a posibilidade, mesmo que remota, de aqueles factos serem reais, expõe-nos como hipócritas, como criaturas que lutam contra a sua própria natureza. Que o faça numa linguagem simples, sem abusar do calão, mas não se coíbindo de chamar o caralho, o cu, a cona ou os colhões pelos nomes que todos usamos quando falamos, apenas reforça esse sentido de choque.

Haverá quem queira odiar o livro pela explicitude que não tem e acabará a odiá-lo por se recusar a cair no banal, no pornográfico. Por outro lado, o público mais imaturo, o público das vinte Primaveras, acabará por odiar o livro por não ser suficientemente pornográfico. Para esse público o livro não lhes dá nada de mais, para esse público há uma panóplia de outras ferramentas. É por isso que este é um livro que deve ser lido, preferencialmente, por gente madura: quem não se conseguir chocar com o livro e o achar banal, provavelmente ainda não tem quilómetros de estrada suficientes para ler o que não está escrito. Só uma audiência madura conseguirá notar a fina linha que na obra separa as vicissitudes e o sofrimento das alegrias vividas, porque a forma de a autora ultrapassar umas e saborear as outras, é em camas, ao ar livre, com um parceiro ou com vinte. É polémico por expôr uma pessoa. E todos somos humanos...

Sunday, May 6, 2012

Pai Natal subcontrata Coelhinho da Páscoa


 Não sou particular adepto das figuras no título, mas a piada era tão fácil de fazer que não resisti a usá-los!

 Este tópico visa contar a conclusão da saga da encomenda à Saída de Emergência (confirmar em Onde fica a Saída de Emergência).

 Três dias após o referido tópico escrevi à editora o email que abaixo transcrevo (falta de acentos e outros sinais gráficos, novamente cortesia de um teclado em estrangeiro):

Reparei há cerca de uma semana, no meu perfil do vosso site, que a encomenda em epígrafe se encontra com o estado de "enviada".

Gostava que me fornecessem os detalhes da expediçao, para que eu pudesse ir aos correios da minha localidade indagar sobre o paradeiro da mesma, uma vez que até ontem nao me havia sido pedido para a levantar.

Face ao arrastar da situaçao, gostava também de alguma celeridade na resposta.
Atenciosamente,
[O meu nome]

 Ou este período do ano é menos movimentado nas caixas de correio, ou por esta altura já há alarmes para quando entra uma mensagem minha! Digo isto porque no próprio dia (e nesta fase isto para mim já era motivo de surpresa) recebi a resposta, conforme se transcreve:

Caro [O meu nome]

Estamos a falar de uma encomenda bastante antiga.

Efectue nova encomenda com os mesmos títulos.
Se for um caso em que na altura existisse uma promoção especial efectue a mesma via este e-mail ou natacha@saidadeemergencia.com
Atentamente
Marta Lima 
 Ora bem... Nesta fase fiquei a pensar que para lá de publicarem, naquela editora vivem a ficção que publicam. Será que ninguém me podia ter dito isto antes? Então, se a encomenda é antiga, para que serviram todos os outros emails? Meio abananado decidi não responder imediatamente. Aliás, nesta fase ponderei mesmo se havia de ir em frente com a encomenda. Deixei passar o fim-de-semana e na segunda-feira, mais calmo, decidi refazer a encomenda e enviei o seguinte email, quer para a senhora Marta, quer para a senhora Natacha (porque nesta fase o ideal era mesmo aumentar as probabilidades de alguém ler o email):

Cara Marta,

Permita-me desde já manifestar o meu desagrado por todo o tratamento de que fui alvo por parte da vossa editora, desde os longos tempos de resposta até à constataçao de que, passados três meses, aparentemente a encomenda que realizei nao só nao foi tratada como, quer-me parecer embora nao o possa confirmar, ignorada. A isto pode-se acrescentar informaçao aparentemente falsa uma vez que, como consta do meu perfil no vosso site, a encomenda já foi enviada quando parece-me que nem sequer empacotada foi! Caso tenha sido de facto enviada volto a pedir (pela terceira vez) que me forneçam os dados da encomenda para que possa tratar da situaçao junto dos Correiros.

Nao é o primeiro serviço de compras online que utilizo e com todos já tive problemas, mas o que os distingue do vosso é o cuidado colocado em querer resolver um problema e a vontade com que se esforçam por passar uma imagem de organizaçao, de seriedade e de profissionalismo, mesmo quando a falha nao ocorre do lado deles. Nenhuma destas características foram reveladas por parte da vossa empresa e terei de tirar daí conclusoes.
Apesar de tudo e após ter ponderado bem durante o fim-de-semana, decidi re-efectuar a encomenda. Como o livro que pedi ao abrigo da promoçao 2=3 nao se encontra na lista deste mês faço-o através dos contactos que me pediu. Segue abaixo cópia do seu contacto de 8 de Fevereiro, onde consta a encomenda realizada na altura. Em relaçao ao livro extra que se comprometeu a enviar, reconfirmo o interesse na obra [obra escolhida], de [autor da obra], conforme o comunicado a 27 de Fevereiro.
Esperando que esta nova encomenda nao padeça dos males da anterior, despeço-me cordialmente,
[O meu nome]
[cópia do referido email]

Mais tarde nesse dia recebi a seguinte resposta:

Caro [o meu nome]

A sua encomenda com o livro de oferta escolhido, mais o livro [obra escolhida], seguiu hoje com o código dos CTT: [código dos CTT]

Pode fazer o rastreio da mesma em www.ctt.pt
 Acho que os prazos falam por si, portanto segue abaixo a tabela retirada do site dos CTT (não coloquei as localidades, mas não é necessário para se perceber a aventura). A verdade é que em menos de uma semana recebi as minhas encomendas e ainda me pude dar ao luxo de a deixar a marinar dois dias nos correios.

Escusado será dizer que nunca mais compro um livro desta editora!